sexta-feira, agosto 03, 2007

AS SETE MARAVILHAS DE PORTUGAL E DO MUNDO

Tem sido ultimamente muito badalado um acontecimento que se auto-intitula de “7 Maravilhas do Mundo”, ao qual está associada, também, uma eleição nacional das “7 Maravilhas de Portugal”. Monsaraz e o seu conjunto fortificado, com a designação de “fortificações de Monsaraz”, foram incluídos na lista eleitoral, depois de um processo que incluiu todos os 793 monumentos nacionais. Numa fase posterior foram seleccionados 77, um número considerado mágico, de onde foram seleccionados os 21 finalistas. Destes últimos sairá a lista final por voto dos “Portugueses”. Recordemos que, contrariamente ao que se sugere com o título de candidatura, todo o conjunto intramuros de Monsaraz, para além das respectivas fortificações, se encontra classificado actualmente como monumento Nacional, em processo iniciado em 1941 (1).
A dita eleição internacional foi inventada por um suíço ligado a produções televisivas, que fundou, em 2001, uma empresa chamada “New 7 Wonders Foundation”. Em Portugal, o evento é representado por outra empresa, a “Young & Rubican Brands”. O negócio envolve, para além da publicação final da lista, um conjunto de eventos como um “tour nacional” com camiões e balões de ar quente, cerimónias de entrega de certificados, festas em cada um dos monumentos “finalistas”, quiosques multimédia, e toda a parafernália utilizada em outros conhecidos concursos e acontecimentos televisivos do género, como foi o famoso concurso “Big Brother” a “Volta a Portugal em Bicicleta” ou a não menos famosa “Floribella”. O evento conta com o apoio, entre outros, do ministério da Cultura, e o Comissário Nacional é o Ex-Ministro Freitas do Amaral.

Para além deste “Tour Nacional”, Lisboa receberá ainda o mega evento internacional onde será feita a “Declaração Universal das Novas Sete Maravilhas do Mundo”, com votação por telefone e Internet a partir de todo o mundo. A data do festival final será no dia muito mágico de 07/07/07.

É bom recordar a origem e a razão da criação desta lista original das 7 Maravilhas do Mundo Antigo, atribuída ao poeta e escritor Grego Antíparo de Sídon que a elas se terá referido num poema entre os anos 150 e 120 A.C.. A lista é também conhecida como “Ta Hepta Thaemata” ou seja “As sete Coisas Dignas de Serem Vistas”. As razões da escolha foram naturalmente o carácter extraordinário dos monumentos escolhidos - obras de arquitectura, escultura e engenharia monumentais, erguidas pela mão do homem - que se destacavam pelas suas qualidades construtivas e decorativas, pela riqueza dos adornos, pela beleza compositiva e pelo seu significado simbólico, e não havia outro objectivo que não o de dignificar e valorizar a obra e a capacidade criativa do Homem. A lista incluía apenas monumentos do mundo civilizado conhecido à época, limitado à bacia do Mar Mediterrânico (2).

Actualmente, as classificações patrimoniais equivalentes à antiga lista de Antiparo de Sídon estão, naturalmente, entregues aos estados soberanos, que detêm os legítimos direitos sobre os seus monumentos. Em Portugal, compete por lei ao IPPAR a “classificação de imóveis de valor cultural. Cabe-lhe assim a definição dos critérios que deverão ser utilizados neste processo: critérios de carácter geral - histórico-cultural, estético-social e técnico-científico; e de carácter complementar - integridade, autenticidade e exemplaridade do bem”. Em termos internacionais, são os organismos representativos da ONU para as áreas culturais, UNESCO e ICOMOS, a quem compete idêntica e equivalente responsabilidade. Os processos de classificação incluem um conjunto complexo de etapas que culminam com o procedimento legal final, a respectiva publicação oficial em Decretos-lei e outros diplomas com força legal. Tem de ser assim, para que o interesse público seja salvaguardado pois que se trata de bens patrimoniais propriedade do estado e dos cidadãos.

Ora sendo assim, não se compreende que os nossos monumentos, o nosso património histórico e arquitectónico nacional, que já se encontra devidamente classificado, fique sujeito a um “plebiscito democrático” para ser eleito como “Maravilha Nacional”, num concurso cujos objectivos são apenas de criar lucro para empresas privadas. As técnicas televisivas e comerciais utilizadas, e a transformação de um assunto sério num espectáculo mediático, ainda por cima com o apoio do Ministério da Cultura, são de uma gravidade sem precedentes. O mesmo ministério da cultura, que recentemente impediu uma equipa cientifica e técnica de reputados e comprovadamente competentes investigadores de tocar no tumulo do Rei D. Afonso Henriques para proceder a recolha de elementos científicos importantes em estudo atempadamente autorizado, apoia um espectáculo em que se procede a uma eleição de 7 monumentos nacionais, como se estivesse a escolher o popular “Zé Maria de Barrancos” como finalista de um concurso de televisão.

Os contornos desta operação, que envolve televisões, publicidade, figuras públicas e muito dinheiro, são acolhidos por todos, desde o governo central às autarquias, com entusiasmo inaudito. Claro. Fazem logo a conta aos milhares de turistas que virão ver a “Maravilha Nacional”, deixar lixo e gastar papel higiénico nos cafés e casas de banho públicas e pouco mais. É que, esquecem-se esses senhores, o público alvo destes concursos popularuchos são do mesmo segmento que vê o “Big Brother” e elege os concorrentes ao “Canta Comigo” e outros que tais, logo, segmento com pouco interesse para o turismo de qualidade. Claro que os representantes locais também pensam de imediato no importantíssimo momento (para eles próprios) em que receberão o “certificado de finalista” relativo ao monumento da sua terra, com direito a alguns segundos de televisão.

Este caso é um caso notório de aproveitamento de bens públicos e de símbolos nacionais da forma mais interesseira possível. Tudo já serve para ganhar dinheiro e audiências de televisão. O respeito pelo património cultural nacional recebe um rude golpe com este vergonhoso aproveitamento, ainda por cima disfarçado de acto cultural e apoiado pelo estado e pelas autarquias. Não é admissível que uma lista feita há mais de 2000 anos, por nobres razões de valorização da capacidade humana para criar obras de excepção, seja transformada, sem originalidade e apenas com fins lucrativos, num espectáculo em que se elegem monumentos como num concurso de televisão se elege um cantor ou um dançarino. Os efeitos práticos da lista não serão nenhuns. Se lhes der mais lucros fazerem um novo concurso todos os anos, assim o farão.

As classificações de monumentos são um assunto sério que deve ser, como é ainda, tratado pelo Estado e pelas suas Instituições. Entregar competências como estas a empresas privadas, que apenas têm por objectivo lucros, é um precedente muito grave.

Em termos turísticos, a divulgação que o evento vai trazer pode ser contraproducente. Um monumento nacional, classificação que Monsaraz possui, não aparece por acaso. Essa classificação existe há muito tempo, e deve ser orgulho da população e dos seus responsáveis. Nenhuma outra classificação pode suplantar esta, excepto a de Património Mundial. E mesmo essa já está de tal forma vulgarizada que já perdeu significado. A inclusão de Monsaraz, como de qualquer outro monumento nacional, numa lista de vulgaridades televisivas, só pode trazer a menos valia de lhe estarmos a atribuir um qualidade artificial tão ao jeito da sociedade consumista do usar e deitar fora. Alguém ainda se lembra do “Zé Maria” de Barrancos? Pois é o que vai acontecer à lista das “7 Maravilhas de Portugal” depois de terem produzido os lucros que o negócio tem previsto. Por mim não votarei, pelo respeito que me merecem todos os monumentos construídos pelo homem e que ganharam a imortalidade pelas suas qualidades patrimoniais.

(1) MN, Dec. nº 35 443, DG 1 de 02 Janeiro 1946, ZEP, DG 187 de 14 Agosto 1951 e Dec. nº 516/71, DG 274 de 22 Novembro 1971
(2) Pirâmides de Gize e Farol de Alexandria no Egipto, Jardins Suspensos da Babilónia - actual Iraque, Estátua de Zeus em Olímpia - Grécia, Templo de Artémis em Éfeso, Mausoléu de Halicarnasso e o Colosso de Rhodes.

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