O BARCO DE TESEU
AUTENTICIDADE E PATRIMÓNIO
O caso particular da Vila de Monsaraz
(Ana Paula Amendoeira (historiadora) e Jorge Sanches da Cruz (Arquitecto), Mestres em Recuperação do Património Arquitectónico e Paisagístico - texto preparado e aceite, para o 2º Encontro Sobre Conservação e Reabilitação de Edifícios, Lisboa, LNEC, Julho de 1994).
Uma lenda conta que o barco de Teseu foi conservado pelos Atenienses durante um longo período. A partir da altura em que quase todas as suas peças tinham sido substituídas por outras (iguais mas novas, com o objectivo de preservar o objecto mítico), pôs-se a questão de saber se o navio era sempre o mesmo ou se já um outro. E se já não era o mesmo, a partir de que restauro se tinha criado o novo navio? Por outras palavras, qual era a sua autenticidade material e histórica?
Teve lugar em Fevereiro de 94, na Noruega, um workshop preparatório de uma reunião de especialistas que se realizou em Novembro do mesmo ano, em Nara, no Japão, para examinar a questão da autenticidade na Convenção do património Mundial. Estes especialistas tiveram por missão avaliar a pertinência do conceito, na perspectiva das construções, restauros, reconstruções, medidas de reparação, etc., praticadas em cada região.
O trabalho feito no workshop da Noruega conseguiu unanimidade no estabelecimento de um conjunto de 5 aspectos a ter em conta quando se fala de autenticidade em património: a forma, os materiais, as técnicas, o contexto e a função. Acrescenta-se a estes um aspecto importante, aferidor também de um grau de autenticidade: a dimensão esotérica, não física, da essência e espírito dos rituais e da comunidade tradicional. Aqui, a autenticidade pode ser identificada não tanto pela originalidade dos materiais, mas preferencialmente nos processos. Como é o caso dos rituais de restauro dos templos orientais: à medida que a tradição continua, as construções podem ser mantidas, reparadas, reconstruídas, repintadas, redecoradas, respeitando as formas e os rituais tradicionais.
O caso particular da vila de Monsaraz, naquilo que se refere às texturas e à sua autenticidade material e histórica, apresenta alguns equívocos relativamente ao universalmente proposto e estudado pelos especialistas que atrás referimos.
Trata-se de um conjunto, cujo valor patrimonial tem, desde há várias décadas contribuído para a sua promoção turística, mas também para a sua “descontinuidade tradicional”: a descaracterização vivencial, provocada pela perda de população e ocupação maciça de alienígenas, anulou-lhe a dimensão não física da essência e do espírito, que apontámos como um dos aspectos de autenticidade.
As reparações e reconstruções ali feitas ao longo dos anos, põem por vezes em causa as várias autenticidades.
A falta de autenticidade dos materiais, das técnicas e processos, provocou uma significativa alteração das texturas que pouco já têm a ver com as de há vinte ou trinta anos, quando se usavam outros materiais, outros processos.
Pensamos ser consensual que as texturas são consequência de uma atitude global. São resultado de necessidades funcionais e estéticas autênticas. Não são em si próprias causas, embora isso seja confundido em intervenções recentes: encontramos muitos casos em que claramente se revela uma atitude de incompreensão e desenraizamento de um todo funcional. A autenticidade dos materiais, tão relacionada com a verdade das populações que os usam, esvai-se na ausência de intenção com que são utilizados. Constroem-se fachadas formais, cujo destino é serem consumidas por turistas que cada vez mais vão a Monsaraz como a um Museu, que lhes mostra uma receita estética, ao gosto deste final de século. O branco é ex-libris da vila, em contraste com a pedra das construções defensivas. Talvez seja um pouco incómodo para este “arranjo visual”, responsável pela actual imagem urbana da vila, afirmar que a eleição da monocromia do branco é muito recente em Monsaraz. Tem a ver com o “gosto esclarecido” de alguns intelectuais que nos anos 50 e 60 generalizaram a sua utilização. Acreditar na sua autenticidade é a nosso ver um equívoco.
No que diz respeito especificamente às questões de autenticidade, pensamos que a continuação da tradição da vida é geralmente a melhor maneira de manter os sítios históricos. A musealização e a invenção das tradições pode manter-lhes a forma, mas ao mesmo tempo reduz-lhe consideravelmente autenticidade, produz um impacto negativo no contexto de vida, na essência e principalmente na sua razão de ser.
Uma lenda conta que o barco de Teseu foi conservado pelos Atenienses durante um longo período. A partir da altura em que quase todas as suas peças tinham sido substituídas por outras (iguais mas novas, com o objectivo de preservar o objecto mítico), pôs-se a questão de saber se o navio era sempre o mesmo ou se já um outro. E se já não era o mesmo, a partir de que restauro se tinha criado o novo navio? Por outras palavras, qual era a sua autenticidade material e histórica?
Teve lugar em Fevereiro de 94, na Noruega, um workshop preparatório de uma reunião de especialistas que se realizou em Novembro do mesmo ano, em Nara, no Japão, para examinar a questão da autenticidade na Convenção do património Mundial. Estes especialistas tiveram por missão avaliar a pertinência do conceito, na perspectiva das construções, restauros, reconstruções, medidas de reparação, etc., praticadas em cada região.
O trabalho feito no workshop da Noruega conseguiu unanimidade no estabelecimento de um conjunto de 5 aspectos a ter em conta quando se fala de autenticidade em património: a forma, os materiais, as técnicas, o contexto e a função. Acrescenta-se a estes um aspecto importante, aferidor também de um grau de autenticidade: a dimensão esotérica, não física, da essência e espírito dos rituais e da comunidade tradicional. Aqui, a autenticidade pode ser identificada não tanto pela originalidade dos materiais, mas preferencialmente nos processos. Como é o caso dos rituais de restauro dos templos orientais: à medida que a tradição continua, as construções podem ser mantidas, reparadas, reconstruídas, repintadas, redecoradas, respeitando as formas e os rituais tradicionais.
O caso particular da vila de Monsaraz, naquilo que se refere às texturas e à sua autenticidade material e histórica, apresenta alguns equívocos relativamente ao universalmente proposto e estudado pelos especialistas que atrás referimos.
Trata-se de um conjunto, cujo valor patrimonial tem, desde há várias décadas contribuído para a sua promoção turística, mas também para a sua “descontinuidade tradicional”: a descaracterização vivencial, provocada pela perda de população e ocupação maciça de alienígenas, anulou-lhe a dimensão não física da essência e do espírito, que apontámos como um dos aspectos de autenticidade.
As reparações e reconstruções ali feitas ao longo dos anos, põem por vezes em causa as várias autenticidades.
A falta de autenticidade dos materiais, das técnicas e processos, provocou uma significativa alteração das texturas que pouco já têm a ver com as de há vinte ou trinta anos, quando se usavam outros materiais, outros processos.
Pensamos ser consensual que as texturas são consequência de uma atitude global. São resultado de necessidades funcionais e estéticas autênticas. Não são em si próprias causas, embora isso seja confundido em intervenções recentes: encontramos muitos casos em que claramente se revela uma atitude de incompreensão e desenraizamento de um todo funcional. A autenticidade dos materiais, tão relacionada com a verdade das populações que os usam, esvai-se na ausência de intenção com que são utilizados. Constroem-se fachadas formais, cujo destino é serem consumidas por turistas que cada vez mais vão a Monsaraz como a um Museu, que lhes mostra uma receita estética, ao gosto deste final de século. O branco é ex-libris da vila, em contraste com a pedra das construções defensivas. Talvez seja um pouco incómodo para este “arranjo visual”, responsável pela actual imagem urbana da vila, afirmar que a eleição da monocromia do branco é muito recente em Monsaraz. Tem a ver com o “gosto esclarecido” de alguns intelectuais que nos anos 50 e 60 generalizaram a sua utilização. Acreditar na sua autenticidade é a nosso ver um equívoco.
No que diz respeito especificamente às questões de autenticidade, pensamos que a continuação da tradição da vida é geralmente a melhor maneira de manter os sítios históricos. A musealização e a invenção das tradições pode manter-lhes a forma, mas ao mesmo tempo reduz-lhe consideravelmente autenticidade, produz um impacto negativo no contexto de vida, na essência e principalmente na sua razão de ser.
Um pouco como a dúvida sobre o barco de Teseu...
3 comentários:
um bom texto sobre um bom assunto. gostei de visitar e prometo novo regresso quando postarem de novo.
interessante, mas um pouco passado do tempo
BOA TARDE.
O TEXTO ALTAMENTE TECNICO REVELA DA PARTE DOS AUTORES, MESTRES,UM CONHECIMENTO PROFUNDO DAS ASNEIRAS E DO DESAFIGURAR DAS CARACTERISTICAS DA VILA DE MONSARAZ. PENSO QUE O CASO DOS ALIENÍGENAS É O RESULTADO DA POLITICA DOS AUTARCAS QUER DA VILA QUER DA CIDADEZINHA SEDE CONCELHO.
O PELOURO DO URBANISMO NUNCA FEZ QUALQUER BALANÇO DO URBANISMO NO CONCELHO.ALTERA PDM'S, SEM NUNCA SE PREOCUPAR COM A PAISAGEM URBANA,ETC,ETC...
MESTRES, UNAM ESFORÇOS E APRESENTEM EM PUBLICO, PROMOVAM DISCUSSAO SOBRE O ASSUNTO REFERIDO NO TEXTO,PENSO QUE SERIA UM BOM PONTO DE PARTIDA PARA O MELHORAMENTO DE MONSARAZ.
UM ABRAÇO,
ADALBERTO.
Enviar um comentário